Espaço onde se divulgam as entrevistas feitas aos membros da Comunidade
A Dra. Teresa Oliveira nasceu em Moçambique, a 10 de fevereiro de 1956, numa cidade que se chamava, naquela época, Lourenço Marques e que hoje se chama Maputo. Desde 2001 que é a Bibliotecária da Biblioteca Municipal Manuel Francisco do Estanco Louro, em S. Brás de Alportel.
Trabalha na biblioteca desde a sua abertura?
R: Sim, comecei a trabalhar um bocadinho antes da sua abertura ao público. Ela abriu no dia 1 de junho de 2001, e eu comecei a trabalhar na biblioteca no dia 1 de abril.
Com que idade começou a interessar-se pelo mundo dos livros?
R: Não consigo dizer exatamente a idade. Penso que terá sido antes de eu saber ler que comecei a gostar de livros. Mas depois, quando aprendi a ler, comecei a gostar ainda mais e é um dos maiores prazeres da minha vida.
Como define a palavra “biblioteca”?
R: Para mim, biblioteca é aquele espaço… É uma casa que está de portas abertas para todas as pessoas de todas as idades, de todos os grupos económicos e sociais, de todas as religiões, de todas as maneiras de pensar… Penso que é a casa que tem a porta mais aberta para todos que pode existir no mundo!
O que diria a um jovem que não gosta de ler?
R: Diria: “Eh! Ainda não descobriste uma coisa tão deliciosa? Como é que isso é possível?! Anda cá, que eu vou-te mostrar como é que é possível!”
Concorda com o novo acordo ortográfico?
R: Não, não concordo! E não tem a ver com o facto de eu ser uma pessoa mais velha e estar muito habituada a escrever duma determinada maneira e não queira mudar, não queira aprender coisas novas. Acho que a forma como uma palavra é escrita é guardada na nossa memória duma certa maneira e também ganha uma certa elegância se é escrita com mais um “c” ou mais um “p”, ou com hífen ou sem hífen… Aquela palavra, quando nós a lemos, pode ser uma palavra mais comprida, mais curta… Para quem é um bom leitor, até a forma como as palavras se escrevem é importante! Para nós, não é só a história. Até o som da palavra, a grafia, o desenho que tem quando é escrita, tudo isso se torna importante. E acho que reduzir a escrita duma palavra apenas ao som que tem, é como fazer uma dieta muito rígida. A pessoa fica muito magrinha mas fica com os ossos todos espetados! Para mim, é assim uma coisa do género.
Já se adaptou às mudanças do novo acordo?
R: Tenho de me adaptar, porque até o software informático do Word, do e-mail, do Facebook, nos repõem um tracinho vermelho de errado! Quando escrevo à mão, uso a seguinte política: se estou a escrever em nome da biblioteca, que é um serviço público, sou obrigada a cumprir as regras de um serviço público e escrevo com a nova ortografia. Se estou a escrever para pessoas amigas, escrevo com a antiga ortografia.
Em três palavras, caracterize um bom livro.
R: Um bom livro é sempre um livro, aquele que em primeiro lugar nos emociona! E quando falamos da palavra “emocionar”, não significa chorar, “emocionar” é tocar cá dentro nas nossas emoções, na nossa sensibilidade… Pode ser chorar, pode ser rir, pode ser assustar, pode ser surpreender! Mas esse livro tem que nos tocar dentro da nossa alma de alguma maneira e por isso se chama criar uma emoção. Pode ser lágrimas, pode ser riso, pode ser espanto, pode ser reflexão, pode pôr-nos a pensar sobre…. Pode mostrar-nos uma nova maneira de ver o mundo, de ver as pessoas. Portanto, um bom livro traz sempre uma coisa nova à nossa vida, sempre! Senão, nós não conseguíamos acabar de o ler. Andamos ali com aquele livro debaixo do braço como que obrigatoriamente. Mas, quando ele nos toca, quando nos emociona, quando nos põe a pensar, quando nos põe a olhar para as pessoas e para o mundo de outra maneira, quando nos abre assim uma espécie de janela e nós começamos a olhar a vida e dizemos assim “Eu estava toda errada… as coisas podem ser diferentes” isso é um bom livro! Tem que ser um livro que emocione, tem que ser um livro que mude a nossa maneira de ver a vida e as pessoas de alguma maneira, e não precisa de ser um livro científico para fazer isso. Por exemplo, há um escritor russo chamado Dostoiévski que é do século dezanove, portanto está quase a fazer 200 anos que escreveu romances (não escreveu livros científicos) e é considerado o pai do romance psicológico. A maneira como ele descreve a vida de um louco faz milhões de pessoas olhar para os doentes mentais de outra maneira, de uma maneira completamente diferente, depois de ter lido os livros dele.
Tendo em conta que já leu uma enorme quantidade de livros, existem vários que a marcaram particularmente. Partilhe connosco esses títulos.
R: Sim, olhando principalmente para os livros da minha infância, lembro-me particularmente de um livro que se chama “A Cabana do Pai Tomás”, um livro muito antigo de uma escritora americana [Harriet Beecher Stowe], que fala da vida de um escravo negro nas plantações americanas, devido à amizade dele com uma menina, filha do patrão. Como eu nasci na África onde havia muitos negros pobres e eu era uma menina branca, e essa menina da história ajudou os escravos a tornarem-se pessoas livres, eu gostei especialmente daquele livro porque dizia assim: “Tu também, se quiseres, um dia, podes ajudar este povo a ser melhor”. Portanto, os livros às vezes também nos ajudam a criar, dentro de nós, vontades de, quando formos adultos, sermos umas pessoas especiais, mas não queremos ser só uma pessoa boa que leva a vida do dia a dia igual aos outros. Queremos ser especiais! E esse livro marcou-me muito, em querer ser especial. Havia também uma coleção que, é engraçado, agora as meninas começarem todas a ler novamente. Está a ser editada de novo com outras cores e outros formatos que era a “Rapariga Rebelde”. No meu tempo, chamava-se a “Trinta Diabos” porque era a história de uma menina que ia para um colégio interno estudar e fazia imensas “maroteiras” dentro do colégio. E como eu também estudava num colégio de freiras, identificava-me muito com aquela menina. Foi um livro que também me marcou e depois, como havia vários volumes, várias histórias diferentes, sempre com a mesma personagem… Outros livros que também me marcaram foram os da aventura “Os Cinco”, que agora vocês também já começaram a ler. Quando eu era mais pequena do que vocês, líamos com muito entusiasmo! Lembro-me de ir com os meus amigos da vizinhança (éramos um grupo de quatro ou cinco, juntamente com o meu cão, que entrava nessas brincadeiras) para o terraço da casa fazer de conta que era o nosso esconderijo… Esses livros foram muito importantes! Mais tarde, quando já andava no liceu, portanto com dezasseis, dezassete, dezoito anos, li romances do escritor russo de que vos falei há pouco, Dostoiévski, e impressionou-me muito a forma como ele caracterizava cada personagem, mostrando como o ser humano é tão complicado por dentro. Com ele, aprendi que, quando olhamos para alguém e a vemos por fora, pensamos “esta pessoa é simpática e até é inteligente”, mas é apenas uma impressão porque lá dentro daquela pessoa há muitas cores diferentes, há muitas emoções… Quando nós lemos livros de vários países, de diferentes épocas da história, torna-se impossível sermos racistas ou sermos contra uma religião, contra uma cultura… Quando nós lemos o que se passa com os outros povos, aprendemos a respeitar!
Iara Lourenço
Joana Costa
Rodrigo Guerreiro
8.º C
2014/2015